Carta Aberta à Sociedade Brasileira
Contra o Abuso e a Violência Sexual Contra a Mulher
Denúncia e Repúdio
Durante 46 dias (de 1º de outubro a 15 de novembro de 2007), o Movimento de Ocupação da Reitoria da Universidade Federal da Bahia, composto por estudantes desta universidade, ocupou o prédio da Reitoria da UFBA em luta incondicional pelo ensino público e pela democracia. Construímos e praticamos, nesse ínterim, uma ocupação e uma universidade viva. Chamamos para constituir este espaço toda a sociedade (em especial, os setores historicamente afastados) e nele abordamos, discutimos e vivenciamos suas problemáticas. Sendo assim, uma vez que decidimos não ignorar, não nos afastar, nem sermos omissos frente à realidade e aos problemas sociais, viemos a público denunciar e declarar repúdio aos atos de abuso e violência sexual contra a mulher cometidos nesta ocupação.
No período em que estivemos ocupados, por duas tristes vezes fomos vítimas de violências sexuais contra duas colegas.
Na madrugada do dia 14 para o dia 15 de outubro de 2007, a estudante de teatro da UFBA, C.S., foi molestada e sofreu tentativa de estupro pelo estudante de direito da Universidade Católica de Salvador, ADRIANO ROJAS. Na manhã do dia seguinte (15/10), a estudante, muito abalada, compartilhou o crime de que foi vítima com alguns (as) colegas. Decidimos, então, conversar com Adriano e expor que estávamos cientes do acontecido. Este mesmo se sentiu compelido a deixar a ocupação.
Durante a conversa, justificou-se argumentando que agiu “por instinto” e que havia sido uma situação “de momento”. Afirmou ainda que imaginou que a vítima, C.S., coadunou com a sua atitude, apesar da estudante estar dormindo durante o atentado. (A estudante só percebeu que estava sendo molestada ao acordar com os toques de Adriano em seu corpo). Não obstante, três dias depois, Adriano compareceu em Assembléia Geral dos Estudantes da UFBA (18/10) e ainda voltou à Reitoria ocupada, alegando inocência.
O outro lamentável episódio ocorreu também durante a madrugada: do dia 9 para o dia 10 de novembro de 2007. Ao chegarmos à ocupação, vindos de uma festa promovida para angariar fundos para o XI Encontro Nacional dos Estudantes de Artes, deitamo-nos para dormir. A estudante de teatro da UFBA, R.N., dormia com seu companheiro. Em um momento que este saiu para ir à cozinha, ANDREZZA ALMEIDA, estudante de ciências sociais da UFBA, aproveitou-se do estado de sonolência de R.N. e atirou-se em cima da estudante, agredindo-a e violentado-a sexualmente. Apesar de tentar se defender, a estudante não conseguiu impedir o crime, vez que a agressora lhe forçava os braços e lhe imobilizava com o peso do próprio corpo (a agressora pesa, aproximadamente, três vezes mais que a vítima).
Na manhã do dia seguinte (10/11), transtornada, R.N. contou para @s amig@s o ocorrido. A agressora, sob conselho do Diretório Central dos Estudantes, deixou a ocupação no mesmo dia.
A despeito de uma emergente pauta política e de mobilizações, no dia 12 de novembro, à noite, reunimo-nos urgente e exclusivamente para tratar dos crimes de agressão e violência sexual contra a mulher cometidos durante a ocupação. Concordamos em que nada seria mais importante e urgente, naquele momento, do que a vida e a integridade física e psíquica de nossas colegas agredidas.
Paramos todas as nossas atividades para ouvir o relato difícil e emocionado das duas estudantes, para lhes prestar todo o carinho e solidariedade, para lhes dar força necessária para denunciarem os crimes de que foram vítimas e para discutir profundamente a opressão contra a mulher em nossa sociedade.
Tudo o que conversamos foi feito em um ambiente de profundo respeito e de fortes laços de confiança entre @s estudantes. Durante a extensa e emocionante reunião debatemos com coragem o assunto e descobrimos que a opressão, a agressão e a violência contra a mulher não é algo distante, inexistente, ou restrito a camadas sociais específicas. Diversas colegas, sentindo-se à vontade e confortáveis para compartilharem seus traumas ou experiências de agressão ou violência sexual sofridas em suas vidas, relataram, emocionadas, casos de violência doméstica, abuso sexual contra a criança, estupro e aborto.
Nenhum de nós, homens ou mulheres, estávamos preparados ou sabíamos como lidar com a dureza e violência de todas aquelas declarações. Refletimos conjuntamente em como poderíamos agir diante dos crimes contra a mulher praticados durante a ocupação sem reproduzir práticas opressoras, machistas ou homofóbicas.
Optamos por não nos calar. Não fingir que nada aconteceu ou “varrer para debaixo do tapete”. Resolvemos, com força, coragem e respeito às colegas agredidas e violentadas, denunciar os crimes contra a mulher cometidos durante a ocupação.
Sabemos que enfrentaremos uma polícia e uma justiça machistas, que, via de regra, constrangem e condena a vítima de agressões e violências sexuais. Sabemos que vamos enfrentar a mídia insensível, oportunista e hipócrita que não se cansou em nos tachar de vândalos, baderneiros e fanfarrões, quando estávamos lutando pela educação brasileira e que não oscilará em utilizar os fatos contra nós. Que enfrentaremos a hipocrisia de diversos setores da sociedade que se omitem diante do absurdo e da tragédia que representam o abuso e a violência sexual contra a mulher. Sabemos que vamos ter que dobrar esforços para proteger e acalentar nossas colegas, vítimas dos atentados. Mas não fugiremos à verdade.
Para aqueles que identificarem os estudantes ou o movimento estudantil como detentores do monopólio da opressão, agressão e violência contra a mulher, oferecemos de antemão o nosso repúdio e o nosso valioso conselho para serem mais sensíveis e olharem à sua volta. Durante todo o corajoso debate que tivemos, descobrimos que os crimes de agressão e violência sexual contra a mulher cometidos entre nós não são exceção, nem estão restritos ao ambiente acadêmico ou estudantil. Infelizmente, e segundo dados da própria Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, esses crimes estão disseminados “democratimente” em todos os setores ou estratos sociais e apenas 10% deles são denunciados. Não contribuiremos para a estatística da omissão.
Denunciamos ADRIANO ROJAS, estudante de direito da Universidade Católica do Salvador e ANDREZZA ALMEIDA, estudante de ciências sociais da Universidade Federal da Bahia por crimes de abuso, agressão e violência sexual contra a mulher, cometidos durante a ocupação da Reitoria da UFBA. Já oficializamos queixas-crime contra @s agressores na Delegacia Especial da Mulher.
Repudiamos com veemência tais crimes e todos aqueles praticados contra a mulher e cobramos do Estado mais políticas, mais cuidado e atenção para as mulheres brasileiras.
Informamos e exigimos a todas as entidades das quais fazem parte os denunciados (DCE, Coletivo KIU, PSOL-MES) que sejam tomadas as medidas emergenciais cabíveis.
Em tempo, solidarizamo-nos com todas as mulheres que foram ou são vítimas de opressão, agressão, abuso e violência sexual. Desejamo-lhes força e coragem para denunciarem e oferecemos o nosso pesar e o nosso carinho. Lembramos e salientamos a importância do dia 25 de novembro – Dia Internacional da Não-Violência contra as Mulheres e convidamos tod@s a se informarem e participarem da Campanha 16 dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres (de 20 de novembro ao dia 06 de dezembro de 2007): http://www.agende.org.br/.
Nossa luta pela educação pública, direito básico do ser humano, e pela democracia, submete-se primordialmente ao respeito, ao afeto e à atenção pel@ outr@. A violência cometida contra as duas estudantes foi cometida contra tod@s nós. Estamos do lado da verdade. E vamos até o fim.
M.O.R.U.
Movimento de Ocupação da Reitoria da UFBA
04 de dezembro de 2007